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Capítulo 19: A corça prateada

Estava chovendo na hora em que a Hermione olhou o relógio de pulso à meia-noite. Os sonhos do Harry eram confusos e perturbadores: Nagini passeava por eles, primeiro através de uma guirlanda de Natal de rosas. Ele acordou repetidamente, em pânico, convencido de que alguém o gritara à distância, imaginando que o vento chicoteando a barraca fossem passos ou vozes.
Finalmente, ele acordou na escuridão e juntou-se a Hermione, que estava encolhida na entrada da barraca lendo A História da Magia iluminada por sua varinha. A neve caía densamente e ela recebeu a sugestão dele de fazer as malas cedo e seguir em frente com alívio.
— Vamos para algum lugar mais abrigado, — ela concordou, tremendo enquanto vestia uma blusa por cima de seu pijama. — Eu não paro de pensar que ouço pessoas andando lá fora. Eu até pensei ter visto alguém uma ou duas vezes.
Harry parou o ato de vestir sua blusa e olhou para o silencioso e imóvel bisbilhoscópio na mesa.
— Tenho certeza de que imaginei isso, — disse Hermione, aparentando estar nervosa. — A neve e a escuridão pregam peças aos nossos olhos… Mas talvez nós devêssemos Desaparatar debaixo da Capa da Invisibilidade, só para garantir.
Meia hora depois, com a barraca empacotada, Harry usando a Horcrux, e Hermione segurando a mochila enfeitada, eles Desaparataram. A rijeza usual os tragou; os pés de Harry se separaram do chão cheio de neve, depois caíram com um baque no que parecia ser um chão de terra congelada coberto de folhas.
— Onde estamos? — ele perguntou, examinando o recente grande número de árvores enquanto Hermione abria a mochila enfeitada e começava a retirar as varetas da barraca.
— A Floresta de Dean, — ela disse, — eu vim acampar aqui uma vez com a minha mãe e com o meu pai.
Aqui também havia neve nas árvores em volta e estava amargamente frio, mas eles estavam ao menos protegidos do vento. Eles passaram a maior parte do dia dentro da barraca, encolhidos para se aquecerem nas úteis chamas azul-claro que Hermione era perita em produzir as quais podiam ser presas e carregadas num jarro. Harry sentia-se como se estivesse recuperando-se de uma breve, porém severa doença, uma impressão reforçada pela preocupação de Hermione. Naquela tarde, flocos gelados caíam sobre eles, por isso que até a clareira de abrigo deles possuía uma pequena quantidade de neve.
Após duas noites de pouquíssimo sono, os sentidos de Harry pareciam mais alertas do que o normal. A fuga deles de Godric’s Hollow foi tão por pouco, que Voldemort parecia mais perto que antes, mais ameaçador. Com a chegada novamente da escuridão, Harry recusou a oferta de Hermione para a guarda e mandou-a dormir.
Harry colocou um velho travesseiro na porta de entrada da barraca e se sentou, usando todas as blusas que ele possuía, mas mesmo assim tremendo. A escuridão se aprofundou com o passar das horas até ficar virtualmente impenetrável. Ele estava pensando em pegar o Mapa do Maroto, para olhar o pontinho da Gina por um tempo, antes de lembrar que já era os feriados de Natal e que ela já devia estar de volta à Toca.
Cada mínimo movimento parecia ampliado na vastidão da floresta. Harry sabia que ela deveria estar cheia de criaturas vivas, mas ele desejava que elas todas continuassem em silêncio e sossegadas para que ele separasse os inocentes passeios e correrias de barulhos que poderiam indicar outros movimentos sinistros. Ele se lembrou do som de uma capa sobre as folhas mortas há muitos anos e, ao mesmo tempo, ele pensou tê-lo ouvido outra vez antes de tremer. Os feitiços protetores deles haviam funcionado por semanas; por que eles não iriam funcionar agora? Mas, mesmo assim, ele não conseguia se livrar do sentimento de que aquela noite era diferente.
Várias vezes ele acordava assustado, com o pescoço doendo porque havia pegado no sono, encostado num ângulo esquisito ao lado da barraca. A noite alcançou tamanha profundeza de negrume aveludado que talvez ele estivesse suspenso naquele limbo entre Aparatação e Desaparatação. Ele havia acabado de erguer a mão na frente de seu rosto para ver se ele conseguia enxergar seus dedos quando aconteceu.
Uma luz branca e clara apareceu bem frente dele, se movendo por entre as árvores. Qualquer que fosse a fonte, ela se movia sem sons. A luz parecia simplesmente vir em direção a ele.
Ele ficou de pé num salto, sua voz congelou em sua garganta e ele ergueu a varinha da Hermione. Ele cerrou os olhos quando a luz ficou cegante, as árvores na frente dela aparentavam uma silhueta preta e, ainda assim, a coisa chegava mais perto…
Daí a fonte da luz saiu por detrás de um velho carvalho. Era uma corça branco-prateada, da cor da lua e ofuscante, fazendo seu caminho por sobre o chão, ainda sem emitir som, e sem deixar pegadas de seus cascos na fina camada de neve. Ela caminhou em direção a ele, com sua bela cabeça e seus olhos largos de cílios grandes erguidos.
Harry fitou a criatura, completamente maravilhado, não pela estranheza dela, mas pela inexplicável familiaridade. Ele se sentia como se esperasse ela vir, mas que ele havia esquecido, até este momento, que eles haviam combinado de se encontrar. Seu impulso de gritar pela Hermione, que havia sido tão forte um instante atrás, tinha desaparecido. Ele sabia, colocaria sua vida em jogo por isso, que ela havia vindo por ele, e só por ele.
Eles se olharam por vários momentos e depois ela se virou e foi embora.
— Não, — ele disse, sua voz estava rouca devido à falta de uso. — Volte!
Ela continuou a andar deliberadamente em direção às árvores, e logo seu brilho estava listrado pelos grossos e pretos troncos de árvores. Por um trêmulo segundo, ele hesitou. A precaução lhe murmurou que isso poderia ser um truque, uma isca, uma armadilha. Mas o instinto, um instinto opressivo, lhe disse que isso não era Arte das Trevas. Ele disparou em busca dela.
A neve se triturava ruidosamente debaixo de seus pés, mas a corça não fez barulho enquanto passava por entre as árvores, pois ela era muito leve. Ela o conduziu cada vez mais adentro da floresta, e Harry andava rapidamente, certo de que quando ela parasse, ela o permitiria que se aproximasse mais. E depois ela falaria e a voz lhe diria o que ele precisava saber.
Finalmente, ela fez uma parada. Ela virou sua bela cabeça para ele mais uma vez, e ele disparou numa corrida, com uma pergunta queimando dentro dele, mas quando ele abriu seus lábios para perguntar, ela desapareceu.
Apesar da escuridão a engolir por completo, sua imagem brilhante ainda estava impressa nas retinas dele; isso escureceu a visão dele, brilhando enquanto ele abaixa as suas pálpebras, desorientando-o. Agora veio o medo: a presença dela significara segurança.
— Lumos! — ele sussurrou, e a ponta da varinha se acendeu.
Os vestígios da corça iam desaparecendo a cada piscar de olhos enquanto ele ficava ali, ouvindo os sons da floresta, distantes quebrares de galhos, suaves assobios de neve. Será que ele estava prestes a ser atacado? Será que ela havia o atraído para uma emboscada? Será que ele estava imaginando alguém que estava além do alcance da luz de sua varinha, observando-o?
Ele ergueu mais varinha. Ninguém o atacou, nenhuma luz verde saiu de repente por detrás de alguma árvore. Por que, então, ela o havia trazido até este lugar?
Algo cintilou na luz da varinha, Harry se virou, mas tudo que havia era uma poça pequena e congelada, com sua superfície negra e quebrada irradiando enquanto ele erguia sua varinha para examiná-lo.
Ele seguiu em frente bem conscientemente e olhou para baixo. O gelo refletiu sua sombra distorcida e o clarão da luz da varinha, mas debaixo da carapaça grossa, cinza e sombria outra coisa brilhou. Uma grande cruz de prata…
Seu coração veio parar na boca: ele caiu de joelhos às margens da poça e deixou a varinha em um ângulo como se fosse inundar o fundo da poça com o máximo de luz possível. Um lampejo vermelho profundo… era uma espada de rubis cintilantes no seu cabo… a espada de Gryffindor estava no fundo da poça da floresta.
Quase sem conseguir respirar, ele fitou-a. Como isso era possível? Como ela veio parar numa poça na floresta, tão perto do lugar em que eles estavam acampando? Será que alguma magia desconhecida havia atraído Hermione para esse lugar, ou será que a corça era, o que ele pensara ser um Patrono, algum tipo de guardiã da poça? Ou será que a espada foi posta depois que eles chegaram, precisamente porque eles estavam ali? Em quaisquer das situações, onde estava a pessoa que queria passá-la ao Harry? Mais uma vez, ele apontou a varinha para as árvores e arbustos, buscando por um contorno humano, por um reflexo no olho, mas ele não conseguiu ver ninguém lá. Ainda assim, um pouco mais de medo fermentou sua alegria enquanto ele voltava sua atenção para a espada que repousava no fundo da poça congelada.
Ele apontou a varinha para o formato prateado e murmurou, “Accio Espada.”
Ela não se moveu. Ele não esperava que isso acontecesse. Se fosse tão fácil assim a espada estaria no chão para ele a pegar, não no fundo de uma poça congelada. Ele começou a dar voltas na poça, pensando atentamente na última vez que a espada havia aparecido para ele por conta própria. Ele estava correndo grande perigo naquela vez e havia pedido ajuda.
— Socorro, — ele murmurou, mas a espada continuou no fundo da poça, indiferente, imóvel.
O que, Harry se perguntou (andando novamente), o Dumbledore tinha lhe dito a última vez que ele tinha recuperado a espada? Somente alguém verdadeiramente de Grifinória poderia ter a tirado do chapéu. E quais eram as qualidades que definiam alguém ser da Grifinória. Uma pequena voz dentro da cabeça de Harry respondeu: ousadia, sangue-frio e nobreza destacam os alunos da Grifinória dos demais.
Harry parou de andar e soltou um longo suspiro, seu hálito esfumaçado dispersando rapidamente no ar congelado. Ele sabia o que tinha que fazer. Se ele fosse honesto consigo mesmo, ele sabia que iria dar nisso desde o momento em que viu a espada no gelo.
Ele observou as árvores que o cercava novamente, mas estava convencido agora de quem ninguém o iria atacar. Eles tiveram suas chances enquanto ele caminhava sozinho pela floresta, tiveram inúmeras oportunidades enquanto ele examinava a poça. O único motivo de demorar tanto assim era porque a perspectiva imediata era extremamente desencorajadora.
Com dedos desajeitados, Harry começou a tirar suas muitas camadas de roupas. O que “nobreza” tem a ver com isso, ele pensou pesarosamente, ela não tinha total certeza, a não ser que fosse nobre ele não chamar a Hermione para fazer no lugar dele.
Uma coruja piou em algum lugar enquanto ele se despia, e ele pensou com uma pontada em Edwiges. Agora ele estava tremendo, seus dentes batendo horrivelmente, mas, mesmo assim, ele continuou a se despir até finalmente estar apenas de cueca e pés descalços na neve. Ele colocou a bolsa contendo sua varinha, a carta da sua mãe, o pedaço do espelho de Sirius e o velho Pomo em cima das suas roupas, e depois ele apontou a varinha de Hermione para o gelo.
— Diffindo.
Ele quebrou o silêncio como se fosse um projétil. A superfície da poça se quebrou e pedaços grossos de gelo escuro caíram na água. Pelo que Harry pôde perceber, não era funda, mas para pegar a espada ele teria que submergir completamente.
Contemplar a obrigação não ia fazer dela mais fácil nem da água mais quente. Ele pisou na margem da poça e colocou a varinha de Hermione no chão, ainda acesa. E tentando não imaginar o quão frio ele estava prestes a ficar ou a violência com que ele estaria tremendo em breve, ele pulou.
Cada poro do seu corpo gritou em protesto. O ar em seus pulmões parecia congelar quando ele estava submergido até os ombros na água congelante. Ele mal conseguia respirar: tremendo tão violentamente que a água espirrava para fora da poça, ele procurou a lâmina com seu pé dormente. Ele queria mergulhar uma vez só.
Harry adiou o momento de total submersão segundo a segundo, ofegante e tremendo, até ele se convencer de que devia ser feito, juntou toda a sua coragem e mergulhou.
O frio era agonizante: atacou-o feito fogo. Até seu próprio cérebro parecia ter congelado quando ele foi afundando para ao fundo da água escura e estendeu a mão, agarrando a espada. Seus dedos se fecharam em volta do cabo; ele a puxou para cima.
Foi aí que algo se enrolou apertado em volta de seu pescoço. Ele pensou em ervas aquáticas, apesar de nada ter se prendido a ele quando ele mergulhou, e ergueu sua mão para se livrar. Não eram ervas: a corrente da Horcrux havia apertado e estava aos poucos comprimindo sua traquéia-artéria.
Harry esperneava de um modo selvagem, tentando subir à tona, mas ele mal conseguiu chegar até o lado rochoso da poça. Debatendo-se, sufocando, ele lutou contra a corrente estrangulante, seus dedos congelados não conseguiam soltá-la, e agora pequenas luzes começavam a aparecer na sua cabeça, e ele iria se afogar, não havia outra saída, nada que ele pudesse fazer, e os braços que se fecharam ao redor do seu peito eram com certeza da Morte…
Asfixiando-se e quase vomitando, ensopado e com um frio que ele nunca sentiu na vida, ele ficou de cara na neve. Em algum lugar, ali por perto, outra pessoa estava ofegante e tossindo e cambaleando, Hermione havia chegado de novo, assim como ela chegou quando a cobra o atacou... todavia, não soava como ela, não com aquelas tosses intensas, sem falar no peso dos passos.
Harry não tinha forças para erguer a cabeça e ver a identidade do seu salvador. Tudo que ele conseguiu fazer foi erguer sua mão trêmula até sua garganta e sentir o local em que o medalhão havia cortado seu pescoço. Ele havia sumido. Alguém havia o cortado e o libertado. Então uma voz ofegante falou sobre a cabeça dele.
— Você – é – retardado?
Nada além do choque de ouvir aquela voz poderia ter dado a Harry a força para se levantar. Tremendo violentamente, ele cambaleou até ficar em pé. Ali na frente dele estava Rony, totalmente vestido, mas encharcado dos pés à cabeça, o cabelo pregado ao rosto, a espada de Gryffindor em uma mão e a Horcrux pendurado na corrente quebrada na outra.
— Por que diabos — ofegou Rony, segurando a Horcrux, que balançava para frente e para trás na sua corrente diminuída num tipo de paródia de hipnose, — você não tirou essa coisa antes de mergulhar?
Harry não conseguiu responder. A corça de prata não era nada, nada comparada ao reaparecimento de Rony; ele não acreditava. Tremendo de frio, ele pegou a pilha de roupas ainda às margens da poça e começou a colocá-las. Enquanto ele punha uma blusa atrás da outra, Harry encarava Rony, meio que esperando que ele desaparecesse toda vez que ele o perdia de vista, mas mesmo assim era real: ele tinha acabado de mergulhar na poça, ele tinha salvado a vida de Harry.
— Foi v-você? — disse Harry finalmente, os dentes batendo, sua voz mais fraca do que nunca devido ao quase estrangulamento.
— Bem, foi, — disse Rony, parecendo ligeiramente confuso.
— V-você conjurou aquela corça?
— O quê? Não, é claro que não! Achei que foi você que o conjurou!
— O meu patrono é um veado adulto.
— Ah, é. Achei que estava diferente mesmo. Não tinha chifres.
Harry colocou o presente de Hagrid de volta em seu pescoço, colocou sua última blusa, curvou-se para pegar a varinha da Hermione e encarou o Rony novamente.
— Como você veio parar aqui?
Aparentemente Rony esperava que isso fosse acontecer depois, se fosse o caso.
— Bom, eu – você sabe – eu voltei. Se — Ele limpou a garganta. — Você sabe. Se você ainda me quiser.
Houve uma pausa, na qual o assunto da partida de Rony parecesse erguer uma parede entre os dois. Porém, ele estava ali. Ele retornara. Ele havia acabado de salvar a vida do Harry.
Rony olhou para baixo, para suas mãos. Ele parecia momentaneamente surpreso em ver as coisas que estava segurando.
— Ah é, eu peguei, — ele disse, praticamente desnecessariamente, erguendo para que Harry inspecionasse a espada. — Foi por isso que você pulou, não é?
— Foi, — disse Harry. — Mas eu não entendo. Como você veio parar aqui? Como nos achou?
— É uma longa história, — disse Rony. — Estive procurando vocês há horas, essa floresta é grande, não é? E eu comecei a achar que ia ter que dormir debaixo de alguma árvore e esperar amanhecer quando eu vi aquele cervo vindo e você o seguindo.
— Você não viu mais ninguém?
— Não, — disse Rony. — Eu –
Mas ele hesitou, olhando para duas árvores que cresciam juntas há alguns metros de distância.
— Tenho quase certeza de que vi alguma coisa se mover logo ali, mas eu estava correndo para a poça naquela hora, porque você mergulhou e não subia, daí eu não ia dar uma volta e – ei!
Harry já havia disparado para o local que o Rony havia indicado. Os dois carvalhos cresciam juntos, só havia o espaço de alguns centímetros entre os troncos visto a olho nu, um lugar ideal para se ver, mas não para se ser visto. O chão ao redor das folhas, entretanto, estava livre de neve, e Harry não conseguia ver sinais de pegadas. Ele voltou até onde Rony estava esperando, ainda segurando a espada e a Horcrux.
— Achou alguma coisa? — perguntou Rony.
— Não, — disse Harry.
— Como a espada foi parar na poça, então?
— Seja lá quem conjurou o Patrono deve ter a posto lá.
Ambos olharam para a espada de prata ornada, com seu cabo de rubis cintilando o suficiente à luz da varinha de Hermione.
— Você acha que esta é a verdadeira? — perguntou Rony.
— Só tem um jeito de descobrir, não é? — disse Harry.
A Horcrux ainda estava balançando na mão de Rony. O medalhão estava praticamente caindo. Harry sabia que a coisa dentro dele estava inquieta outra vez. Havia sentido a presença da espada e havia tentado matar Harry para não deixar que ele a pegasse. Agora não era a hora de discussões longas; agora era o momento de destruir de uma vez por todas. Harry olhou em volta, segurando a varinha de Hermione no alto, e viu o lugar: uma pedra achatada na sombra de um sicômoro.
— Venha aqui. — ele disse e guiou o caminho e estendeu a mão para a Horcrux. Quando Rony lhe entregou a espada, entretanto, Harry balançou sua cabeça.
— Não, você devia fazer isto.
— Eu? — disse Rony, aparentando chocado. — Por quê?
— Porque você tirou a espada da poça. Acho que você deve fazer.
Ele não estava sendo gentil ou generoso. Tão certo quanto ele estava de que a corça era benigna, ele sabia que Rony era quem devia empunhar a espada. Dumbledore havia, ao menos, ensinado ao Harry algo sobre certos tipos de magia, do poder incalculável de certos atos.
— Eu vou abrir, — disse Harry, — e você irá golpeá-lo. Imediatamente, certo? Porque seja lá o que estiver aí dentro, irá lutar. O pouquinho de Riddle no Diário tentou me matar.
— Como você vai abri-lo? — perguntou Rony. Ele aparentava aterrorizado.
— Vou pedir para que ele se abra, usando Língua de Cobra, — respondeu Harry. A resposta veio tão instantaneamente em seus lábios que ele pensou já sabê-la sempre bem fundo: talvez fosse necessário o seu recente encontro com a Nagini para ele perceber isso. Ele olhou para o sinuoso S, cravado à pedras verdes cintilantes: era fácil visualizar uma minúscula cobra, enrolada na pedra fria.
— Não! — disse Rony. — Não abra! Estou falando sério!
— Por que não? — perguntou Harry. —Vamos nos livrar dessa desgraça. Faz meses que –
— Eu não consigo, Harry, é sério – faz você –
— Mas por quê?
— Porque essa coisa é ruim para mim, — disse Rony, se afastando do medalhão na pedra. — Eu não dou conta! Não estou inventando desculpas, pelo jeito que eu era, mas ele me afeta de uma maneira pior do que afeta você ou a Hermione, ele me fez pensar em coisas – coisas que eu já estava pensando mesmo, mas ele fez tudo pior. Não dá para explicar, depois que o tirei e minha cabeça voltou ao lugar outra vez, depois eu tive que colocar essa desgraça de volta – eu não consigo, Harry!
Ele havia recuado, a espada puxuando-o para o lado, balançando a cabeça.
— Você consegue, — disse Harry, — você consegue! Você acabou de pegar a espada, eu sei que você é quem deve usá-la. Por favor, livre-se disto, Rony.
O som de seu nome pareceu agir como um estimulante. Rony engoliu em seco, depois ainda respirando com dificuldades através do seu longo nariz, voltou-se para a pedra.
— Me fala quando estiver pronto, — ele falou com a voz áspera.
— No três, — disse Harry, olhando para trás para o medalhão e cerrando seus olhos, concentrando-se na letras S, imaginando uma serpente, enquanto o conteúdo do medalhão chacoalhava como uma barata encurralada. Iria ser fácil compadecer-se dele, a não ser pelo corte no pescoço do Harry que ainda queimava.
— Um… dois… três… abra.
A última palavra soou como um assobio áspero e as portas dourados do medalhão se abriram com um pequeno estalido.
Por detrás das duas janelas de vidro, de dentro piscou um olho vivo, escuro e belo como os olhos de Tom Riddle eram antes de se tornarem vermelhos e com pupilas verticais.
— Crave a espada, — disse Harry, segurando o medalhão firme na rocha.
Rony ergueu a espada com suas mãos trêmulas: a mira balançava freneticamente sobre os olhos giratórios, e Harry agarrou o medalhão veementemente, apertando forte, já imaginando o sangue escorrendo nas janelas vazias.
Daí uma voz assobiou de dentro da Horcrux.
— Eu vi o seu coração e ele é meu.
— Não dê ouvidos a ele, — disse Harry rudemente. — Apunhale-o!
— Eu vi os seus sonhos, Ronald Weasley, e eu vi os seus medos. Todos os seus desejos são possíveis, mas tudo que você tanto teme também é possível…
— Apunhale-o! — gritou Harry, sua voz ecoou além das árvores ao redor, a ponta da espada tremeu e Rony olhou fixamente para os olhos de Riddle.
— O menos amado, sempre, por uma mãe que ansiava por uma filha … O menos amado, agora, pela garota que prefere seu amigo… O segundo melhor, sempre, eternamente ofuscado…
— Rony, apunhale-o já! — Harry berrou: ele podia sentir o medalhão estremecer em sua mão e estava com medo do que estava por vir. Rony ergueu a espada ainda mais alto, e ao fazer isso, os olhos de Riddle brilharam vermelhos.
Do lado de fora das duas janelas do medalhão, fora dos olhos, ali aparecia, como duas bolhas grotescas, as cabeças de Harry e Hermione, estranhamente distorcidas.
Rony gritou em choque e recuou enquanto as figuras floresciam para fora do medalhão, primeiro o peitoral, depois a cintura, depois as pernas, até eles ficarem na frente do medalhão, lado ao lado como árvores de raízes comuns, balançando na direção do Rony e do Harry verdadeiro, que havia tirado seus dedos do medalhão quando ele começou a queimar e a ficar branco intenso.
— Rony! — ele gritou, mas o Riddle-Harry estava agora falando com a voz de Voldemort e Rony estava fitando-o, fascinado, seu rosto.
— Por que voltou? Estávamos melhores sem você, mais felizes sem você, radiantes com a sua ausência… Nós rimos da sua estupidez, da sua covardia, da sua presunção –
— Presunção! — ecoou o Riddle-Hermione, que era mais bonita e ainda mais terrível do que a verdadeira Hermione: ela balançava, gargalhando, na frente do Rony, que parecia aterrorizado e, ainda, paralisado, segurando a espada sem mirar ao seu lado. — Quem olharia para você, quem alguma vez olharia para você além do Harry Potter? O que você já fez, comparado ao Escolhido? O que você é, comparado ao Garoto-Que-Sobreviveu?
— Rony, golpei-o, GOLPEI-O! — Harry berrou, mas Rony não se moveu. Seus olhos estavam arregalados, e o Riddle-Harry e o Riddle-Hermione estavam refletidos neles, seus cabelos caindo como fogo, seus olhos brilhavam vermelhos, suas vozes geravam um dueto maligno.
— Sua mãe confessou, — zombou Riddle-Harry, enquanto Riddle-Hermione ria dissimuladamente, — que preferia a mim como filho, que ficaria feliz em fazer uma troca…
— Quem não iria preferir ele, que mulher iria aceitá-lo, você não é nada, nada, nada compara a ele, — sussurrou Riddle-Hermione, e ela se esticou como uma cobra e se entrelaçou no Riddle-Harry, envolvendo-o num abraço apertado: os lábios deles se encontraram.
No chão em frente deles, o rosto de Rony estava cheio de agonia, ele ergueu a espada bem alto, com os braços tremendo.
— Faça, Rony, — gritou Harry.
Rony olhou para a direção dele e Harry pensou ter visto um traço vermelho em seus olhos.
— Rony –?
As espada flamejou e cravou-se : Harry se jogou do caminho, houve um tinido de metal e um longo grito. Harry girou, escorregando na neve, com a varinha pronta para se defender, mas não havia mais nada para lutar.
As monstruosas versões dele e da Hermione desapareceram: só havia Rony, ali parado segurando a espada de maneira frouxa em suas mãos, olhando para baixo, para os restos despedaçados do medalhão na rocha achatada.
Devagar, Harry caminhou em direção a ele, sem saber o que dizer ou o que fazer. Rony estava respirando pesadamente: seus olhos não estavam mais vermelhos, estavam seu azul normal: estavam também molhados.
Harry se inclinou para frente, fingindo que não vira, e apanhou a Horcrux quebrada. Rony havia furado o vidro das duas janelas: os olhos do Riddle haviam desaparecido e a seda manchada que saía do medalhão era apenas fumaça. A coisa que vivia na Horcrux havia desaparecido; torturar o Rony tinha sido seu último ato. A espada cravou no chão quando Rony a derrubou. Ele havia se afundado em seus joelhos, com a cabeça em seus braços. Ele estava tremendo, mas não, Harry percebeu, de frio. Harry enfiou o medalhão quebrado dentro do seu bolso, ajoelhou ao lado de Rony e colocou sua mão cautelosamente no ombro dele. Ele achou que foi um bom sinal Rony não tentar tirá-la.
— Depois que você foi embora, — ele disse numa voz baixa, grato pelo fato do rosto de Rony estar escondido, — ela chorou por uma semana. Provavelmente até mais, mas ela não queria que eu a visse. Houve um monte de noites em que nem nos falávamos. Sem você…
Ele não conseguiu terminar; foi só agora que Rony estava ali novamente que Harry percebeu realmente o quanto a ausência dele havia lhe custado.
— Ela é como minha irmã, — ele prosseguiu. — Eu a amo como a uma irmã e eu acho que ela sente a mesma coisa por mim. Foi sempre assim. Eu pensei que você soubesse.
Rony não respondeu, mas virou o rosto da direção de Harry e enxugou seu nariz ruidosamente na manga da sua camisa. Harry levantou-se outra vez e caminhou até onde a enorme mochila do Rony estava há alguns metros, que foi descartada quando Rony saiu correndo em direção à poça para salvar o Harry do afogamento. Ele a colocou nas suas próprias costas e voltou caminhando até Rony, ficou de pé com as ajudas das mãos quando Harry aproximou, seus olhos avermelhados por outro lado serenos.
— Me desculpa, — ele disse numa voz cheia. — Me desculpa por ir embora. Eu sabia que eu era um – um –
Ele olhou em volta para a escuridão, como se esperando que uma palavra ruim o suficiente fosse cair sobre ele e declarar o fato.
— Você meio que compensou tudo esta noite, — disse Harry. — Pegando a espada. Destruindo a Horcrux. Salvando a minha vida.
— Isso me faz parecer mais legal do que eu fui, — Rony resmungou.
— Essas coisas sempre parecem mais legais do que são, — disse Harry. — Estou tentando te falar isso há anos.
Simultaneamente, eles se precipitaram e se abraçaram, Harry agarrando a ainda molhada jaqueta do Rony.
— E agora, — disse Harry quando eles se soltaram, — só precisamos achar aquela barraca de novo.
Mas não foi difícil. Apesar da caminhada pela floresta escura com a corça ter parecido extensa, com o Rony ao seu lado, a viagem de volta parecia ter se tornado surpreendentemente curta. Harry mal podia esperar para acordar a Hermione e foi com uma ansiedade acelerada que ele entrou na tenda, com Rony um pouco atrás dele.
Ali estava gloriosamente quente depois da poça e da floresta, a única iluminação eram as chamas azuladas bruxuleando numa tigela no chão. Hermione estava dormindo, encolhida debaixo dos seus cobertores e não se moveu até Harry dizer seu nome várias vezes.
— Hermione!
Ela se mexeu e sentou direito rapidamente, tirando o cabelo da sua cara.
— O que foi? Harry? Você está bem?
— Estou bem, está tudo bem. Mais do que bem, estou ótimo. Tem uma pessoa aqui.
— Como assim? Quem – ?
Ela viu o Rony, que estava ali segurando a espada e pingando no surrado tapete. Harry foi para um canto escurecido, tirou a mochila do Rony e tentou se misturar com a lona.
Hermione deslizou para fora da sua cama e foi como uma sonâmbula na direção de Rony, com os olhos sobre o rosto pálido dele. Ela parou bem em frente dele, com os lábios ligeiramente separados, com os olhos arregalados. Rony deu um sorriso fraco, porém esperançoso e meio que ergueu seu braço.
Hermione se projetou para frente e começou a bater em cada centímetro dele que ela alcançava.
— Ai – ow – me larga! Mas que – ? Hermione – AI!
— Ronald – Weasley – seu – desgraçado!
Ela pontuava cada palavra com uma porrada: Rony recuou, protegendo sua cabeça enquanto Hermione avançava.
— Você – aparece – aqui – depois – de – semanas – e – semanas – ah, cadê a minha varinha?
Ela parecia que estava pronta para lutar para retirá-la da mão de Harry e ele reagiu instintivamente.
— Protego!
Um escudo invisível apareceu entre Rony e Hermione. A força dele jogou-os de costas no chão. Cuspindo cabelo de sua boca, ela levantou num salto outra vez.
— Hermione! — disse Harry. — Calma –
— Eu não vou me acalmar!— ela gritou. Ele nunca tinha visto ela perder o controle desse jeito; ela parecia bastante insana. — Devolva a minha varinha! Devolva a minha varinha!
— Hermione, por favor, dá para você – ?
— Não me diga o que fazer, Harry Potter! — ela gritou alto. — Não se atreva! Devolva-a agora! E VOCÊ!
Ela estava apontando para Rony em acusação: era como se fosse uma maldição e Harry não podia culpar o Rony em dar alguns passos para trás.
— Eu saí correndo atrás de você! Eu te chamei! Eu implorei para você voltar!
— Eu sei, — disse Rony, — Me desculpa, Hermione, sinto muito –
— Ah, me desculpa!
Ela riu numa voz aguda e fora de controle; Rony olhou para Harry num pedido de ajuda, mas Harry mal fez uma careta expressando que não havia solução para ele.
— Você voltou depois de semanas – semanas – e você acha que vai ficar tudo bem só porque você pediu desculpas?
— Bom, o que mais eu posso dizer? — Rony gritou, e Harry estava feliz que ele estava brigando também.
— Ah, sei lá! — berrou Hermione com um terrível sarcasmo. — Use seu cérebro, Rony, só vai demorar alguns segundos –
— Hermione, — interpôs-se Harry, que considerou este um golpe baixo, — ele acabou de salvar a minha –
— Não quero saber! — gritou Hermione. — Não quero saber o que ele fez! Semanas e semanas, nós poderíamos estar todos mortos pelo que ele saiba –
— Eu sabia que vocês não estavam mortos! — berrou Rony, sufocando a voz dela pela primeira vez, e chegando o mais perto que podia do Feitiço de Escudo entre eles. — O Harry vive no Profeta, vivia no rádio, estão procurando vocês em todos os lugares, todos esses rumores e histórias malucas, eu sabia que ia ficar sabendo na hora se vocês morressem, você não sabe como tem sido –
— Como tem sido para você?
Sua voz não estava tão aguda somente morcegos a conseguiriam ouvi-la em breve, mas ela chegou a um nível de indignação que a deixou temporariamente sem fala, e Rony aproveitou sua oportunidade.
— Eu queria voltar no minuto em que Desaparatei, mas eu cruzei com um bando de Raptores, Hermione, e não consegui ir para lugar nenhum!
— Um bando de quê? — perguntou Harry, enquanto Hermione se jogava em uma cadeira com os braços e pernas cruzadas tão apertados que parecia improvável que ela fosse separá-los por vários anos.
— Raptores, — disse Rony, — eles estão por toda parte – bandos que tentam ganhar ouro pegando nascidos-Trouxas e traidores do sangue, o Ministério está oferecendo uma recompensa para todos que forem capturados. Eu estava sozinho e aparento estar na idade de escola; eles ficaram super felizes, pensaram que eu fosse um nascido-Trouxa escondido. Eu tive que pensar rápido para não ser arrastado até o Ministério.
— O que você disse a eles?
— Disse que eu era o Lalau Shunpike. Primeira pessoa em que pensei.
— E eles acreditaram nisso?
— Não eram muito inteligentes. Um deles era até definitivamente meio trasgo, o cheiro dele…
Rony olhou para Hermione, claramente esperançoso de que ela fosse suavizar com essa pequena quantidade de humor, mas a expressão dela continuava dura sobre seus membros intricados.
— Enfim, eles tiveram uma discussão sobre eu ser Lalau ou não. Foi um pouco patético para ser sincero, mas havia cinco deles e só eu, e eles tomaram a minha varinha. Depois dois deles começaram a brigar e enquanto os outros estavam distraídos eu consegui bater no estômago do que estava me segurando, peguei a varinha dele, Desarmei o sujeito que estava segurando a minha, e Desaparatei. Eu não mandei muito bem. Eu me estrunchei outra vez. — Rony ergueu sua mão direita para mostrar duas unhas que faltavam: Hermione ergue suas sobrancelhas com indiferença — e eu fui para há quilômetros de onde vocês estavam. Quando eu voltei para aquele pedaço de barranco onde estávamos… vocês tinham sumido.
— Minha nossa, que história mais fascinante, — Hermione disse numa voz imponente que havia adotado com intenção de ofender. — Você deve ter ficado morrendo de medo. Enquanto isso, nós fomos a Godric’s Hollow e, deixe-me ver, o que aconteceu lá mesmo, Harry? Ah, é, a cobra de Você-Sabe-Quem apareceu, ela quase matou nós dois, e depois o próprio Você-Sabe-Quem chegou e quase nos pegou, foi por um triz.
— O quê? — disse Rony, olhando com espanto dela para Harry, mas Hermione o ignorou.
— Imagina perder duas unhas, Harry! Isso realmente superar as nossas situações, não é?
— Hermione, — disse Harry baixo, — o Rony acabou de salvar a minha vida.
Ela parecia não tê-lo ouvido.
— Mas eu queria saber uma coisa, — ela disse, fixando os olhos num lugar um pouco acima da cabeça de Rony. — Como foi que você nos achou hoje? Isso é importante. Assim que soubermos, conseguiremos nos certificar de que não seremos visitados por alguém que não queremos ver.
Rony olhou fixamente para ela, depois tirou um objeto pequeno de prata de dentro do bolso da sua calça jeans.
— O Apagueiro? — ela perguntou, tão surpresa que ela esqueceu aparentar frieza e raiva.
— Ele não liga e desliga as luzes apenas, — disse Rony. — Não sei como ele funciona ou por que, isso aconteceu naquela hora e não aconteceu nenhuma outra vez, porque estava querendo voltar desde que fui embora. Mas eu estava ouvindo o rádio bem cedo na manhã de Natal e eu ouvi… eu ouvi você.
Ele estava olhando para Hermione.
— Você me ouviu no rádio — ela disse incrédula.
— Não, eu ouvi você do meu bolso. Sua voz, — ele levantou o Apagueiro outra vez, — saiu disso aqui.
— E o que eu disse exatamente? — perguntou Hermione, seu tom de voz estava entre o ceticismo e a curiosidade.
— Meu nome. ‘Rony.’ E você disse… algo sobre uma varinha…
Hermione ficou num tom de escarlate ígneo. Harry se lembrou: foi a primeira vez que o nome do Rony tinha sido dito em voz alta por algum deles desde que ele partiu; Hermione havia mencionado enquanto falavam de consertar a varinha do Harry.
— Daí eu tirei ele, — Rony continuou, olhando para o Apagueiro, — e ele não parecia diferente nem nada, mas eu tinha certeza de que tinha ouvido você. Daí eu o apertei. E a luz do meu quarto se apagou, mas uma outra luz apareceu bem do lado de fora da janela.
Rony ergueu sua mão e apontou bem para a frente dele, seus olhos estavam focados em algo que nem o Harry nem a Hermione conseguiam ver.
— Era uma bola de luz, meio pulsante, e azulada, tipo aquela luz de Chave de Portal, sabe?
— Sei, — disse Harry e Hermione juntos automaticamente.
— Eu sabia que era a hora, — disse Rony. — Eu peguei minhas coisas e pus dentro da mochila, daí eu a coloquei e saí para o jardim.
— A pequena bola de luz estava pairando ali, esperando por mim, e quando eu saí ela se agitou um pouco e eu a segui escondido e depois ela… bem, ela entrou dentro de mim.
— Como é? — disse Harry, certo de que não havia ouvido direito.
— Ela meio que flutuou em minha direção, — disse Rony, ilustrando o movimento com seu dedo indicador livre, — até o meu peito, e daí – passou por ele direto. Foi bem aqui, — ele tocou um ponto perto do seu coração, — eu podia senti-la, estava quente. E depois que ela estava dentro de mim, eu sabia o que eu devia fazer. Eu sabia que ela me levaria para o lugar que eu precisava ir. Daí eu Desaparatei e vim parar do lado de uma colina. Havia neve por toda parte…
— Nós estávamos lá, — disse Harry. — Nós passamos duas noites lá, e na segunda noite eu fiquei achando que estava ouvindo alguém se movendo pelo escuro e chamando por alguma pessoa!
— É, bem, devia ser eu, — disse Rony. — Seus feitiços protetores funcionam afinal, porque eu não conseguia te ver nem te ouvir. Porém, eu sabia que você estava por perto, daí eu entrei no meu saco de dormir e esperei algum de vocês aparecerem. Eu achei que vocês iam aparecer enquanto guardavam a barraca.
— Na verdade, não, — disse Hermione. — Nós temos Desaparatado debaixo da Capa da Invisibilidade como um cuidado extra. E nós saímos bem cedo, porque como o Harry disse, nós ouvimos alguém cambaleando por ali.
— Bom, eu fiquei naquela colina o dia todo, — disse Rony. — Fiquei esperando que vocês aparecessem. Mas quando começou a ficar escuro eu sabia que devia ter perdido vocês, daí eu apertei o Apagueiro outra vez, a luz azul saiu e entrou dentro de mim, daí eu Desaparatei e vim parar aqui nesta floresta. Eu ainda não conseguia ver vocês, daí eu só podia esperar que algum de vocês aparecesse finalmente – e o Harry apareceu. Bem, eu vi a corça antes, obviamente.
— Você viu o quê? — disse Hermione rapidamente.
Eles explicaram o que tinha acontecido e como a história da corça prateada e a espada no fundo da poça se desenrolou, Hermione franzia a sobrancelha para os dois, concentrando-se tanto que ela esqueceu de manter seus membros cruzados.
— Mas deve ter sido um Patrono! — ela disse. — Vocês não viram quem o conjurou? Vocês não viram ninguém? E ela guiou vocês até a espada! Não acredito nisso! O que aconteceu depois?
Rony explicou como ele havia observado o Harry pular na poça e como ele tinha esperado o Harry voltar à tona; como ele tinha percebido que algo havia dado errado, mergulhado e salvado o Harry, e depois voltou para pegar a espada. Como havia sido a abertura do medalhão, a hesitação dele e a intervenção de Harry.
—e Rony o golpeou com a espada.
— E… e foi assim? Simples desse jeito? — ela sussurrou.
— Bem, a coisa – a coisa gritou, — disse Harry, olhando de canto para Rony. — Toma.
Ele jogou o medalhão no colo dela, cuidadosamente ela o pegou e examinou suas janelas perfuradas.
Ao decidir que era seguro fazer isso, Harry removeu o Feitiço do Escudo com um aceno da varinha de Hermione e se voltou para o Rony.
— Você disse que se livrou dos Raptores com uma varinha extra?
— O quê? — disse Rony, que estava observando Hermione examinar o medalhão. —Ah – ah, é.
Ele abriu com um puxão uma fivela da sua mochila e puxou uma varinha curta e escura do bolso. — Pega, acho que é sempre válido ter uma reserva.
— Você tinha razão, — disse Harry, esticando o braço. — A minha quebrou.
— Está me zoando? — disse Rony, mas assim que Hermione ficou de pé ele aparentou apreensivo de novo.
Hermione colocou a Horcrux derrotada dentro da mochila enfeitada, depois voltou para sua cama e sossegou sem dizer mais nada.
Rony passou a Harry a varinha nova.
— Foi melhor do que você esperava, eu acho, — Harry murmurou.
— É, — disse Rony. — Poderia ter sido pior. Lembra daqueles passarinhos que ela mandou me atacar?
— Ainda não descartei a possibilidade,— surgiu a voz abafada de Hermione debaixo dos cobertores, mas Harry viu Rony sorrir rapidamente, enquanto ele tirava seu pijama castanho da mochila.